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A velha-nova “contribuição assistencial” - por Hélio Gomes Coelho Jr.
Em
meados de setembro, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade
da cobrança da “contribuição assistencial” fixada pelos sindicatos, via
Assembleia Geral, e, quando assim prevista em acordos e convenções coletivos de
trabalho, é devida de modo universal, por todos os integrantes das categorias
por eles representadas, ressalvada a “oposição”.
A
notícia causou “frisson” – sentimento
repentino de excitação ou medo, geralmente por não saber o que está prestes a
acontecer (o acórdão ainda não foi publicado, até o momento de produção do
presente texto) –. Aqueles que, com
técnica e método, acompanham o assunto – que bateu às portas do STF, no
longínquo dezembro de 2016 –, não podem – e não devem – tratá-lo senão pela
razão.
Vejamos.
O
Brasil tem 18.008 sindicatos, sendo 12.539 representantes de categorias
profissionais e 5.469 de categorias patronais. Tem ainda 696 outras, de grau
superior, as denominadas Federações e Confederações. A estrutura é piramidal.
Tais organismos de representação geram acordos, convenções e aditivos, no caso
22.489, de janeiro a agosto do ano em curso. Dados públicos assim indicam. No
trimestre encerrado em agosto, a taxa de desocupação caiu para 7,8% e o estoque
de empregos orbita em torno de 43.500.000 de brasileiros. Sabemos também que o Brasil tem milhões de
empregadores. A maciça e expressiva parte formada por micro e pequenas
empresas. Ao ponto: sete de cada dez empregos estão nelas. Em apertada síntese,
eis o “universo” empresas-empregados-sindicatos do país que é o 5º em tamanho,
o 7º em população e com potencial de ficar alocar, em 2024, no “top ten” das
maiores economias do mundo.
O sindicalismo brasileiro surgiu na década de
1930, com um decreto (ato do Executivo) e foi consolidado em 1934, quando da
vinda da Consolidação das Leis do Trabalho (outro decreto do Executivo). Claro
assim, a “estrutura sindical” era corporativa, sindicato único, com forte
controle e dependência estatal. Os sindicatos para atuarem, sim, precisavam de
reconhecimento do Estado, que lhes garantia renda, através de contribuições
compulsórias, independentemente da condição de filiado. O inspirador de tal
estrutura – é bom sempre relembrar – foi Getúlio Vargas, no preciso tempo em
governou de modo ditatorial (1937-1945).
Por
outras, tanto sindicatos obreiros, quanto os sindicatos patronais, sim,
dependiam do reconhecimento estatal que, ao certificá-los à atividade de
representação de categorias (profissionais e econômicas), assegurava-lhes
“receita certa”.
É
bom rememorar: o “script” valia a quaisquer sindicatos (federação e
confederações) de empregados e empregadores.
A
Constituição de 1988 (art. 8º), que em novembro alcançará 35 anos de viger,
fixou que a atividade sindical é “livre”
e que a lei “não poderá exigir autorização do Estado
para a fundação de sindicato” (ressalvado o seu
registro em um cadastro público com o fito de preservar a exclusividade da
representação na sua base territorial), pronunciando ser “vedadas
ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical”.
Ela, ainda, acometeu aos sindicatos a “obrigatória
participação...nas negociações coletivas”, a “defesa
dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em
questões judiciais ou administrativas”. Também consagrou a
liberdade de filiação, assim: “ninguém será obrigado a
filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato”. Ao fim e ao cabo, ela disse: “a
assembléia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria
profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo
da representação sindical respectiva, independentemente da contribuição
prevista em lei”.
A
Constituição cidadão proclamou há 35 anos: sindicatos livres, sem intervenção
do Estado, com o dever de representar a categoria, e trabalhadores livres para
serem ou não associados (filiados) a
eles. A produção de acordos e convenções coletivos colhem a todos, empregados e
empresas associadas (filiadas) ou não aos seus sindicatos.
Quais
são as receitas dos sindicatos (de empregados e empresas)? Em sintético
recorte, ei-las:
Mensalidades:
O sindicato é tido como
uma pessoa jurídica de direito privado[1], qualificado como associação,
regido por seus estatutos, neles naturalmente fixadas as contribuições devidas
e pagas por seus associados, condição esta que decorre do ato voluntário do
integrante da categoria, profissional ou econômica, a ele pertencer, filiando-se.
As mensalidades têm
raiz no estatuto de cada entidade sindical e são devidas e pagas exclusivamente
por aqueles a ela associados, certo de que cabe à empregadora[2] descontar do salário do empregado
associado e remeter ao sindicato o valor da mensalidade estipulada.
Contribuição confederativa[3]:
Prevista na Constituição Federal, mas
estabelecida em Assembleia Geral da categoria, só devida e paga pelo empregado
ou pela empresa filiada, ou seja, aquele que no sindicato se associa
espontaneamente.
O assunto está pacificado pela Súmula
Vinculante nº 40[4] do STF:
“A CONTRIBUIÇÃO
CONFEDERATIVA DE QUE TRATA O ART. 8º, IV, DA CONSTITUIÇÃO, SÓ É EXIGÍVEL DOS
FILIADOS AO SINDICATO RESPECTIVO”.
Contribuição
Sindical[5]:
Prevista na CLT, em valor nela
fixado, um dia de trabalho dos empregados, descontado na folha de pagamento de
março, e uma importância proporcional ao capital social da empresa, segundo uma
tabela progressiva do capital social registrado. Até 10.11.2017, tais
contribuições eram devidas e pagas por todos os empregados e todas as empresas,
independentemente de serem ou não associados.
Com a “reforma trabalhista”, da Lei
nº 13.467/17[6],
vigência a partir de 11.11.2017, a
contribuição sindical, antes compulsória e universal, passou a ser voluntária,
dependendo de prévio e expresso consentimento do empregado e a da empresa por
seu espontâneo recolhimento.
O STF[7]
já disse constitucional o fim da contribuição sindical compulsória:
“DIREITO CONSTITUCIONAL E TRABALHISTA. REFORMA
TRABALHISTA. FACULTATIVIDADE DA CONTRIBUIÇÃO SINDICAL. CONSTITUCIONALIDADE.
INEXIGÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR . DESNECESSIDADE DE LEI ESPECÍFICA.
INEXISTÊNCIA DE OFENSA À ISONOMIA TRIBUTÁRIA (ART. 150, II, DA CRFB).
COMPULSORIEDADE DA CONTRIBUIÇÃO SINDICAL NÃO PREVISTA NA CONSTITUIÇÃO (ARTIGOS
8 º, IV, E 149 DA CRFB). NÃO VIOLAÇÃO À AUTONOMIA DAS ORGANIZAÇÕES SINDICAIS
(ART. 8 º, I, DA CRFB). INOCORRÊNCIA DE RETROCESSO SOCIAL OU ATENTADO AOS
DIREITOS DOS TRABALHADORES (ARTIGOS 1 º, III E IV, 5 º, XXXV, LV E LXXIV, 6 º E
7 º DA CRFB)”.
Em
parcial conclusão, filia-se quem quer e só o filiado paga a “mensalidade” e a “confederativa” para o sindicato. Após
novembro/2017, a “contribuição sindical”, que antes era obrigatória e
universal, também só é paga por quem a queira quitar.
Contribuição
Assistencial:
Como ao início indicado, tramita no
STF, desde dezembro de 2016, um processo[8]
(originado no Paraná) que debate a legalidade dos sindicatos fixarem, em
acordos e convenções coletivos de trabalho, a contribuição assistencial, a ser
paga por todos, filiados (associados) ou não.
A Corte, em 24.02.2017, reputando
constitucional a questão, reconheceu a existência de repercussão geral e, por
maioria, decidiu:
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. 2. ACORDOS E CONVENÇÕES
COLETIVAS DE TRABALHO. IMPOSIÇÃO DE CONTRIBUIÇÕES ASSISTENCIAIS COMPULSÓRIAS
DESCONTADAS DE EMPREGADOS NÃO FILIADOS AO SINDICATO RESPECTIVO.
IMPOSSIBILIDADE. NATUREZA NÃO TRIBUTÁRIA DA CONTRIBUIÇÃO. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO
DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA. PRECEDENTES. 3. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO PROVIDO.
REAFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DA CORTE",
Tal
julgamento, que teve o acórdão publicado em 10.03.2017, mereceu o recurso de
embargos de declaração, indo à sessão de julgamento em 15.06.2022, quando o
relator ministro Gilmar Mendes, propôs a sua rejeição, no que foi acompanhado
pelos ministros Toffoli, Marques e Moraes, deles dissentindo o Ministro Fachin,
que o acolhida, sanava omissões e contradições apontadas no julgamento, sem,
contudo, alterar a conclusão a que chegara a Corte, quando disse indevida a
“contribuição assistencial” por parte do não filiado ao sindicato.
Ministro
Barroso, então, pediu “vistas” dos autos e, em sessão virtual, iniciada em de 14.04.23, apresentou “voto
divergente’, para admitir a “constitucionalidade”
da cobrança da “contribuição assistencial” dos trabalhadores não
sindicalizados, desde que lhes seja garantido o “direito de oposição”.
O voto do Ministro Barroso, que
se opunha aos votos até então proferidos (Gilmar, Toffoli, Nunes, Moraes,
Fachin e Marco Aurélio, logo em seguida aposentado), levou o relator Gilmar Mendes a rever a sua
posição, passando a adotar a tese sugerida pela divergência aberta pelo
Ministro Barroso:
“É CONSTITUCIONAL A
INSTITUIÇÃO, POR ACORDO OU CONVENÇÃO COLETIVOS, DE CONTRIBUIÇÕES ASSISTENCIAIS
A SEREM IMPOSTAS A TODOS OS EMPREGADOS DA CATEGORIA, AINDA QUE NÃO
SINDICALIZADOS, DESDE QUE ASSEGURADO O DIREITO DE OPOSIÇÃO".
Em
efeito dominó, adotado pelo relator Gilmar Mendes o voto “divergente”, proposto
pelo Ministro Barroso, todos os Ministros que apreciaram os embargos de
declaração, com efeitos infringentes, assim decidiram. Por já jubilado, o
ministro Marco Aurélio ficou o solitário vencido.
A
“contribuição assistencial”, portanto, está rediviva.
O
fundamento está no art. 513[9],
letra “e” da CLT, que diz ser prerrogativa dos sindicatos a imposição de
contribuições a todos aqueles que participam das categorias econômicas e
profissionais.
O
voto do ministro Barroso, acolhido pelo relator Ministro Gilmar Mendes, que o
adotou, bem assim todos os demais ministros da Corte, indica:
“... válida a
cobrança de contribuição assistencial, desde que prevista em acordo ou
convenção coletivos, assegurando-se ao empregado o direito de oposição
(opt-out). Assim, é possível evitar os efeitos práticos indesejados mencionados
acima e, ao mesmo tempo, preservar a liberdade de associação do trabalhador...
Portanto, deve-se assegurar ao empregado o direito de se opor ao pagamento da
contribuição assistencial. Convoca-se a assembleia com garantia de ampla
informação a respeito da cobrança e, na ocasião, permite-se que o trabalhador
se oponha àquele pagamento...
Com o entendimento
de que não se pode cobrar a contribuição assistencial dos trabalhadores não
sindicalizados cria-se, então, a figura do “carona” : aquele que obtém a
vantagem, mas não paga por ela. Nesse modelo, não há incentivos para o
trabalhador se filiar ao sindicato. Não há razão para que ele, voluntariamente,
pague por algo que não é obrigatório, ainda que obtenha vantagens do sistema.
Todo o custeio fica a cargo de quem é filiado. Trata-se de uma desequiparação
injusta entre empregados da mesma categoria...
Some-se a isso o
fato de que a contribuição assistencial se destina a custear justamente a
atividade negocial do sindicato. Há uma contraprestação específica relacionada
à sua cobrança. Por esse motivo, é denominada, também, de contribuição de
fortalecimento sindical ou cota de solidariedade . Nesse cenário, a
contribuição assistencial é um mecanismo essencial para o financiamento da
atuação do sindicato em negociações coletivas.
Permitir que o
empregado aproveite o resultado da negociação, mas não pague por ela, gera uma
espécie de enriquecimento ilícito de sua parte...”
Contribuição
assistencial será definida em Assembleia Geral convocada pelos sindicatos
(obreiros e patronais), que a queiram instituir, sendo que nela será o lugar
adequado à “oposição”, com a finalidade clara: contraprestação da categoria
(trabalhadores e empresas) aos sindicatos produtores de acordos e convenções
coletivos de trabalho.
Se a “mensalidade” é paga pelo
associado. Se a “contribuição confederativa” só é possível de ser cobrada dos
associados. Se a “contribuição sindical” é facultativa... eis a velha-nova
“contribuição assistencial”, que será paga por todos (trabalhadores e
empresas), sempre assegurado o direito de oposição, a ser legitimamente
exercido pelos interessados (trabalhadores e empresas) na própria Assembleia
Geral a tanto convocada para instituí-la. Salvo, se os sindicatos escreverem em
contrário.
Fiquem todos relembrados da velha
máxima: “Roma
locuta, causa finita”[10].
A decisão do STF deverá ser observada
por qualquer Juiz ou Tribunal do país.
Aguardemos a publicação do acórdão, dado
que o presente escrito foi feito a partir dos registros ao longo julgamento[11],
que se estende desde 2017, e que estão disponíveis no sítio abaixo indicado.
[1] CCB, art. 44, I: “São pessoas jurídicas
de direito privado: I - as associações”.
[2] - CLT, art. 545: “Os empregadores ficam
obrigados a descontar da folha de pagamento dos seus empregados, desde que por
eles devidamente autorizados, as contribuições devidas ao sindicato, quando por
este notificados”.
[3] - CF, art. 8º, IV: “a assembleia geral fixará a
contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em
folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical
respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei”.
[4] - STF: súmula vinculante 40 – de
11.03.2015.
[5] - CLT, art. 580: ”A contribuição
sindical será recolhida, de uma só vez, anualmente, e consistirá: I - Na importância correspondente à remuneração
de um dia de trabalho, para os empregados, qualquer que seja a forma da referida
remuneração; ... III - para os empregadores, numa importância
proporcional ao capital social da firma ou empresa, registrado nas respectivas
Juntas Comerciais ou órgãos equivalentes, mediante a aplicação de alíquotas,
conforme a seguinte tabela progressiva: ...”.
[6] CLT, art. 579: “O desconto da
contribuição sindical está condicionado à autorização prévia e expressa dos que
participarem de uma determinada categoria econômica ou profissional, ou de uma
profissão liberal, em favor do sindicato representativo da mesma categoria ou
profissão...”.
[7] STF – ADI 5.794, julgado em
29.06.18.
[8] STF –
ARE 1018459.
[9] - CLT – art. 513:
“São prerrogativas dos sindicatos :
a) representar, perante as autoridades administrativas e judiciárias os
interesses gerais da respectiva categoria ou profissão liberal ou interesses
individuais dos associados relativos à atividade ou profissão exercida; b) celebrar contratos coletivos de trabalho;
c) eleger ou designar os representantes da respectiva categoria ou profissão
liberal; d) colaborar com o Estado, como
orgãos técnicos e consultivos, na estudo e solução dos problemas que se
relacionam com a respectiva categoria ou profissão liberal; e) impor
contribuições a todos aqueles que participam das categorias econômicas ou
profissionais ou das profissões liberais representadas”.
[10]
- Roma falou, o caso está encerrado.